Acerca de "comentadores" e "analistas"
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"A profundidade do (seu) pensamento consiste em ver apenas as nuvens de
poeira à superfície e em expressar presunçosamente essa
poeira como algo misterioso e significativo", Marx
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1 Os "comentadores" no seu labirinto
"Analistas" e "comentadores" esforçam-se por parecer
superiormente sapientes, mas sem nunca tocarem nos interesses da oligarquia. O
que sai fora do
nihil obstat
neoliberal é dado como herético, blasfemo. As causas que
originam e agravam as crises não são averiguadas, apenas se
tergiversa sobre a conformidade com os dogmas neoliberais e as sacrossantas
"regras da UE".
As suas "análises" não vão além da nuvem
de poeira a que Marx se refere. O extremismo liberal foi defendido como
"medidas corajosas", "impopulares mas necessárias",
"o bom caminho", "o que tinha de ser feito" e "que
estava a resultar". Porém, vistas as consequências e
aproximando-se eleições, passaram a ser veladamente criticadas,
mas apenas por a sua aplicação ser feita "sem adequada
explicação", (leia-se manipulação) apesar do
quase monopólio (des)informativo, ou seja: não se mentiu o
suficiente
Face a um rumo que reverteu algumas políticas de austeridade, as suas
análises multiplicam conjecturas, acentuando "incertezas"
quanto ao défice, ou seja, à submissão aos iníquos
e absurdos tratados da UE, à falta de "confiança" dos
mercados" e investidores, algo que com a política de direita
simplesmente omitiam ou tentavam justificar, apesar do aumento da pobreza, do
endividamento, da queda do PIB, e da FBCF em termos líquidos ser
negativa.
Os mesmos que consideravam que "o emprego não pode ser mantido a
todo o custo sob pena de prejudicar o crescimento e bem-estar" mostram-se
preocupados com o elevado desemprego; os mesmos que justificavam o saque fiscal
da direita, propagandeiam aumentos de impostos, nunca referindo os 600
milhões de mais austeridade com que a direita se tinha comprometido em
Bruxelas.
O papel dos "comentadores" é semelhante ao dos
cortesãos feudais, aconselhando os senhores a mudarem alguma coisa mas
sempre no interesse destes. O seu discurso dominante atual não vai
além do que é admitido pelos "senhores" os
oligarcas nem sai fora dos temas promovidos pelas centrais de
(des)informação a nível internacional. O jornalismo
independente e deontologicamente profissional foi varrido pela precariedade e
pelo mercenarismo de "especialistas"/propagandistas.
Está mais que provado que esta UE é irreformável, mas
vislumbram miríficas "boas intenções" de Junker
e Draghi, que apenas refletem o extremismo neoliberal, enaltecidas num fixismo
escolástico, de quem não tem mais soluções do que
prosseguir as mesmas políticas. As eventuais
"críticas", para parecerem ter um pensamento independente,
limitam-se à forma como são aplicadas. Tudo devidamente recheado
de banalidades.
Embora por vezes aparentemente não defendam o mesmo, as
diferenças entre estes "comentadores" e "analistas"
são como na música: interpretações da mesma
partitura: a do "consenso" neoliberal", símbolo da
esquizofrenia política que contaminou "europeístas".
Trata-se apenas de uma anestesia de boas intenções, mascarando as
políticas de direita como "moderadas" e "realistas",
para parecerem que estão do lado das inquietações e
insatisfação das pessoas.
É um discurso vazio que faz por ignorar as causas dos problemas, tendo o
cuidado de nunca admitir a hipótese de um sistema diferente. Depois de
terem feito o possível por defenderem ou escamotearem o descalabro das
políticas de empobrecimento, desemprego, emigração em
massa, falências das MPME e famílias agora, revertidos alguns
aspetos da austeridade, procuram levar para a opinião pública
hipotéticos cenários de catástrofes. A
redução da austeridade é mesmo facciosamente qualificada
de "facilitismo": "quando tudo parecia nos trilhos certos (!)
eis que voltamos ao espírito da facilitação".
Os comentários, contradições, tergiversações
sobre a aplicação de "sanções" pela UE
daria um
case study
sobre o papel dos media ao serviço da direita. Com o apoio dos seus
apaniguados a direita instituiu a mentira como sistema político. Os
casos do BES, Banif, as promessas eleitorais do PSD e CDS, as mentiras,
promessas, garantias dadas no parlamento pelo primeiro-ministro e pela ministra
das Finanças, a manipulação de estatísticas sobre o
emprego, dados da segurança social, etc., mereciam uma antologia de como
a democracia ao serviço do grande capital pode ser pervertida.
2 - Os consensuais fetiches vigentes nos media
Chamamos fetiche àquilo a que se dedica um interesse obsessivo ou
irracional. Os mediáticos comentadores são incapazes de admitir
algo que se afaste das suas obsessões, dos seus fetiches ou daqueles
para que são convocados.
Porquê fetiches? Porque contra as evidências os efeitos são
os contrários do que gritantemente proclamaram e continuam a garantir
com dogmática obsessão como se se tratassem de verdades
científicas ou talvez revelações divinas. Um texto de
Jaques Sapir
[2]
mostra como descabeladas mentiras foram e são apresentadas como
verdades científicas para impor à maioria dos povos da
união monetária um verdadeiro pesadelo.
É ainda o caso dos "consensos" sobre as "regras
europeias", dos limites arbitrários do Tratado Orçamental,
"regra de ouro" (para quem?!) dos "europeístas",
pela qual a burocracia europeia pode aplicar sanções e exercer
toda a espécie de chantagens sobre os povos.
Temos o fetiche do investimento estrangeiro e da criação de
confiança aos "investidores", que se tornou como que um
mandamento religioso, negando ao Estado o papel de estratega na
organização económica e na redistribuição da
riqueza criada. Isto numa atitude de servilismo perante o grande capital
estrangeiro, dado que ao Estado não é permitido investir no
aparelho produtivo, planear a economia, estabelecer o controlo público
dos sectores estratégicos, incluindo em muitos casos a
nacionalização.
A partir das privatizações o grande capital obteve
monopólios em simulacros de investimento. Foi na realidade, efetivo
desinvestimento a partir de manobras financeiras. Nos primeiros seis meses do
ano, um conjunto de apenas oito empresas privatizadas (EDP, Galp Energia,
Santander Totta, Navigator, EDP Renováveis, REN, CTT e Brisa) obtiveram
1,33 mil milhões de euros em lucros, cerca de metade do défice
público no mesmo período
[3]
. Eis portanto como funcionam as "regras europeias" e a
"eficiência" privada monopolista, tão decantada pelos
"comentadores".
A pretendida "confiança e credibilidade" dos mercados é
obtida entregando ao grande capital a riqueza nacional, reduzindo os seus
impostos, impondo austeridade, privatizações e PPP, suprimindo
direitos laborais. A confiança e credibilidade perante os
cidadãos pouco ou nada conta.
Outro fetiche é o da competitividade ligado ao dogma do comércio
livre e do equilíbrio dos mercados competitivos, forma de impor as
reformas estruturais, com que a UE prossegue metódica e implacavelmente
o aumento da exploração. As "leis do mercado", dogma
dos "analistas" e "comentadores" não são mais
que a legalização do saque e da expropriação dos
mais fracos. Claro que os "críticos" vão falando na
"necessidade de regulação", só que os
"mercados" não querem
Os "tratados de comércio livre" como o TTIP, induzidos pela
avidez das transnacionais não sofre contestação, quando
muito limitam-se a vagamente defender alguma cosmética para se manter o
essencial. A propaganda apresenta-os como um paraíso com bens mais
baratos para os consumidores, ignorando as consequências para o emprego e
o desenvolvimento da estrutura produtiva, bloqueada pela lógica das
"vantagens comparativas". Caluniam como "protecionismo" o
controlo do comércio externo no âmbito de uma economia planeada.
O fetiche da estabilidade financeira e dos "riscos sistémicos"
viciou o grande capital no parasitismo e na vigarice da
especulação e da usura, que conduziram a intermináveis
crises. Perante os mercados financeiros, adotou-se uma atitude de
superstição, como se se tratasse de um poder absoluto perante o
qual os povos têm de se submeter de forma tão desprovida de meios
como os povos medievais perante a peste. Os especuladores, ditos
"investidores", são considerados semideuses e nada se pode
fazer à revelia dos seus interesses.
Tudo isto resume a "democracia e economia de mercado" que defendem,
mas que afinal não é uma coisa nem outra. Como dizia Mário
Draghi "Há muitas razões políticas para atrasar as
reformas estruturais, mas poucas razões económicas para o fazer.
O custo de as atrasar é demasiado elevado"
[4]
Mas elevado: para quem?
3 O anticomunismo como último recurso
Falar do socialismo e da URSS, tentar dissipar a mentira, a
deturpação dos factos históricos é um
exercício tão difícil e mal entendido como na primeira
metade do século XX defender direitos iguais para as mulheres e que a
homossexualidade não seria um crime ou uma doença.
Por isso são totalmente escamoteados os dados sobre as diversas
realidades na URSS desde a sua formação, bem como o que as
sondagens revelam acerca da opinião dos povos da ex-URSS sobre o
socialismo.
No combate contra o progresso social os propagandistas servem-se como
último recurso das calúnias vertidas no anticomunismo. Contra o
PCP, partido mais que qualquer outro lutador e fundador da democracia e da
Constituição de 76, além de correntemente ser discriminado
e deturpado, lança-se a velha calúnia do "partido
estalinista", o que quer que isto queira dizer e que correspondência
tenha com a realidade.
Para condimentar o primarismo afirma-se: "um partido que até
está presente nas comemorações do 1º de MAIO em
Cuba"(!). Acusam-se os sindicatos de serem "um poder não
escrutinado", "não se sabe quem representam"; e as
portarias de extensão da contratação coletiva um
escândalo. (Helena Matos)
Para a direita, a contratação coletiva, é de facto uma
"imperfeição" no "paraíso" neoliberal!
Claro que nada os incomoda, muito pelo contrário, que os burocratas da
UE sejam um poder não escrutinado e também não queiram
saber quem representam. Mas sabe-se: a oligarquia.
Para a defesa do neoliberalismo, uma prática que além do
enriquecimento dos mais ricos, só produziu crises económicas e
sociais, apontam o fantasma de um hipotético "modelo
soviético" que eles próprios inventam, baseando-se nas
calúnias de que se apropriaram. Como se a questão de não
existirem "modelos" nos processos de transição entre
formações económicas e sociais diferentes, não
estivesse há muito definida no marxismo-leninismo. Mas o que os enerva
não são os "modelos", são os
princípios
Tudo isto se explica, pela necessidade que os propagandistas têm de
combater pela mentira a admiração que os povos sentiam pela URSS
e demais países socialistas, que pelo seu exemplo conduziram à
aquisição de amplos direitos económicos e sociais pelos
trabalhadores, agora a serem liquidados.
É assim que a luta pelos direitos e melhores condições de
vida pelos trabalhadores é caluniada como "ameaça
comunista". Porém, o militarismo, agressões, criminosos
golpes de Estado do imperialismo são defendidos como sendo sempre em
nome da paz, dos direitos humanos, da "segurança" e
justificados com provas do mesmo tipo que as das armas de
"destruição maciça" do seu ex-aliado Saddam.
4 Objetivo mediático prioritário: promover os interesses
oligárquicos
Os interesses oligárquicos são apresentados como destinados a
"libertar os povos do governo". A fórmula encontrada para a
"economia de mercado" consiste em subverter a democracia, fomentar a
disfuncionalidade do Estado democrático e criar o máximo de
insegurança económica aos trabalhadores, considerando os direitos
laborais privilégios antieconómicos e
injustos.
A filosofia política deste sistema é a de um Estado permissivo
para o grande capital em nome da eficiência eufemismo para
elevados lucros e repressivo para a força de trabalho em nome da
concorrência. Por isso, dizem, "é fundamental que a
autoridade do Estado seja exercida com determinação".
Idênticas teses encontram-se no fascismo. Porém, são
assumidas pela social-democracia no papel que lhe cabe de garantir os
interesses capitalistas.
A certos "comentadores" cabe o papel de "críticos
acríticos"
[5]
plangendo pelo "sonho europeu" inicial, isto é
um outro
neoliberalismo. Porque é disto que se trata desde o início da
CEE/UE!
A retórica dos "analistas" tenta mascarar que defendem uma
sociedade sem projeto coletivo, políticas subordinadas aos interesses
financeiros dominantes, povos sujeitos à chantagem de
sanções, factos consumados
inevitabilidades. Tudo se resume
a austeridade permanente e que instituições burocráticas
internacionais limitem liberdades políticas, condicionem interesses
nacionais e que os trabalhadores se desliguem dos seus sindicatos de
classe
em nome da liberdade contratual, obviamente!
Uma má política é como uma má medicina: pior que a
própria doença. Falsos médicos para as mazelas da
sociedade, iludem a sua incapacidade com uma falsa segurança
dogmática própria da imbecilidade ou do oportunismo. São
ambos de temer.
O que está em causa é a transferência de mais-valia para a
usura e a especulação e países impedidos de decidir
prioridades nas suas despesas e nas suas receitas.
O desenvolvimento económico e o progresso social não virão
de "mais Europa", pelo contrário só serão
possíveis pela luta dos povos para se libertarem do reacionarismo dos
agentes das oligarquias. Só assim será possível
estabelecer uma verdadeira cooperação entre países dotados
de iguais direitos e plena autodeterminação, podendo ter como
meta o socialismo.
É por demais evidente face à total incapacidade do sistema atual
corresponder às necessidades dos povos que são necessárias
mudanças de fundo na economia e no social. E esta situação
impõe de novo como exigência uma revolução
democrática e nacional.