Eu sou todos os Charlies
Eu sou Charlie;
Eu sou todos os Charlies;
Eu sou cada um dos 360 jornalistas e outros trabalhadores que a Controlinveste
e o Belmiro despediram no
Diário de Notícias,
no
Jornal de Notícias,
na TSF, na Notícias Magazine, no
24 Horas
e no
Público;
Eu sou a senhora Ana que, aos 84 anos, é um dos mil sem-abrigo que vivem
nas ruas de Lisboa;
Eu sou o tradutor checo, que passa os dias na biblioteca e a quem pela calada
da noite roubam os livros
na casa que habita
numa das artérias da Capital
[NR]
;
Eu sou todas as operárias e operários que viram as suas vidas
desfeitas por capitalistas sem coração e sem pátria;
Eu sou a puta que,
para alimentar os filhos,
se vende na berma da estrada;
Eu sou cada um dos milhares de desempregados que faz fila nos chamados Centros
de Emprego;
Eu sou cada um dos pensionistas e reformados a
quem pagam 200 euros depois de uma vida inteira de trabalho;
Eu sou cada um dos emigrantes,
brancos e pretos,
a quem obrigam
a trabalhar de sol a sol por um salário de merda;
Eu sou cada um dos milhares de jovens licenciados a quem um imbecil, travestido
de governante, mandou emigrar;
Eu sou cada um dos pescadores a quem a União Europeia proíbe de
pescar sardinha, condenando-os à fome;
Eu sou cada um dos pequenos e médios agricultores a quem a grande
distribuição condena a
dar
aquilo que produzem;
Eu sou cada um dos pequenos e médios produtores de leite a quem os
hipermerceeiros
esmagam;
Eu sou cada uma das mulheres e homens vítimas de violência
doméstica;
Eu sou cada um daquelas velhas e velhos que
abandonamos;
Eu sou a criança que morre nos braços,
leves, ressequidos, famintos.
da mãe;
Eu sou cada um daqueles que nos últimos dias morreram por falta de
assistência médica nos ... hospitais;
Eu sou um dos milhares de trabalhadores a quem o Estado penhorou o
salário por uma dívida de 1 euro;
Eu sou cada uma das milhares de crianças refugiadas e que a essa
condição foram condenadas pelos poderosos do mundo;
Eu sou cada um dos palestinianos que atira pedras contra o muro que há
na Faixa de Gaza;
Eu sou cada um dos negros que a polícia norte-americana mata nas ruas;
Eu sou cada um dos milhares de sem-terra que no Brasil lutam por uma vida digna;
Eu sou cada um dos milhares de africanos mortos pelos vírus de
ébola e a quem virámos as costas por isso ser
doença de pretos;
Eu sou cada um dos milhões de pessoas a quem violência de Estado,
tão má e criminosa quanto a violência religiosa, quer
enterrar
vivos.
Eu sou Charlie.
Eu sou todos os Charlies.
[NR] Referência a reportagem passada na TVI 24. O dito tradutor
é apoiado pela equipa de rua da Junta de Freguesia de Arroios.
Segundo ele, com "o fim do comunismo" deixou de ter emprego como
professor e tradutor e arribou a Lisboa onde não encontrou melhor
sorte. Passa os dias na Biblioteca Nacional e dorme na rua. Ali,
segundo disse, roubam-lhe os livros e a comida que lhe dão.
[*]
Jornalista e escritor,
searadeletras@sapo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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