Atenas Revisitada 2
Grécia mártir, heroica, humanizada
por Miguel Urbano Rodrigues
Com excepção da ex-URSS e ex-Jugoslávia não
há movimento de Resistência comparável pela dimensão
ao grego, liderado pelo Partido Comunista, fundado em 1918. Mais de 400 mil
gregos pereceram durante a II Guerra Mundial. No final da guerra, o
imperialismo britânico aliou-se à reacção grega para
esmagar o exército popular. O povo e as forças
revolucionárias gregas sofreram a repressão e o exílio.
Sofreram a ofensiva imperialista sob todas as formas, da ditadura dos
coronéis à desastrosa integração na UE e à
profunda crise actual. Mas não perderam o seu núcleo
revolucionário fundamental.
Voltei a Atenas depois de por ali ter passado numa breve visita, há 62
anos.
É outro o mundo e não me reconheço no homem que
então vivia no meu corpo.
Atenas tinha então menos de um milhão de habitantes; cidade
pobre, nela eram ainda identificáveis as feridas da brutal
ocupação nazi. A memória da guerra civil permanecia
também viva.
A cidade cresceu prodigiosamente. Hoje é uma gigantesca
megalópolis quarta maior da Europa com quase 4
milhões de habitantes.
Pouquíssimos edifícios têm mais de dez andares. Muitos
bairros da periferia têm vida autónoma, com comércio,
hotéis, restaurantes, etc. Alguns desses bairros foram
construídos após a guerra de 1929/22 com a Turquia, quando
ocorreu a troca de populações (400 mil turcos saíram e
chegou quase um milhão e meio de gregos vindos da Ásia Menor e
Istambul), onde os seus antepassados se haviam fixado há vinte
séculos. Essa gigantesca massa de "retornados" alterou a vida
no país. A integração dos "asiáticos"
não foi fácil. A maioria tinha um nível cultural superior
ao das populações de uma Grécia então
predominantemente rural que contava na época apenas 4 750 000 habitantes.
A REVOLUÇAO APUNHALADA
Com exceção da ex-URSS e ex-Jugoslávia não
há movimento de Resistência comparável pela dimensão
ao grego, liderado pelo Partido Comunista, fundado em 1918. Mais de 400 mil
gregos pereceram durante a Guerra Mundial. A invasão do país em
1940 pela Itália fascista foi derrotada, mas Hitler acudiu ao aliado e
ocupou a Grécia em Abril do ano seguinte.
A luta contra o exército alemão nas cidades e nas montanhas foi
uma epopeia, com papel decisivo dos comunistas.
Em 31 de Maio de 1941 o Comité Central do KKE lançou um apelo
para a formação de uma frente popular contra os fascistas
alemães, italianos e búlgaros. Os grandes partidos burgueses
rejeitaram imediatamente esse apelo. Em 16 de Julho de 1941, funda-se a Frente
Nacional de Libertação dos Trabalhadores (EEAM), e a 28 de
Setembro de 1941 o KKE e vários pequenos partidos criam a Frente
Nacional de Libertação (EAM). Em janeiro de 1942 o Comité
Central do KKE e o Comité Central do EAM tomam a decisão de criar
o Exército Popular Grego de Libertação (ELAS) que foi o
braço militar da EAM. Em 1943 criam-se a Organização
Nacional da Juventude grega (EPON), e a Marinha da Guerra Popular de
Libertação Nacional (ELAN). Paralelamente a estas
organizações funcionavam também a Solidariedade Nacional e
a Organização de Protecção de Luta Popular (OPLA).
O EAM utilizou todas as formas de luta: propaganda, publicações,
greves, manifestações, demonstrações, luta armada.
Até 1944 libertou muitas áreas montanhosas do país onde
estabeleceu o Governo das Montanhas, órgãos administrativos,
comissões e tribunais populares. No final de Agosto 1944 ELAS
desencadeou a ofensiva geral contra as forças nazistas e após
muitas batalhas libertou totalmente os pais.
No momento da libertação o exército regular da ELAS tinha
em suas fileiras 78 mil oficiais e soldados, 50 mil reservistas e uma
milícia popular de 6 mil pessoas. O EAM contava com mais de 1,5
milhões de membros organizados e cerca de 600 mil membros da sua
organização juvenil EPON.
O imperialismo britânico e a burguesia grega consideraram
"ameaçados os seus interesses".
A intervenção britânica culminou em Dezembro de 1944 na
batalha de Atenas, um acontecimento sem precedentes na segunda guerra mundial.
O imperialismo britânico retirou 60 mil soldados que lutavam contra os
alemães em Itália e transferiu-os para a Grécia. Essas
tropas, com o apoio de 200 tanques e de aviões de combate, lutaram ao
lado de forças da direita grega que tinham colaborado com os nazistas na
sua confrontação com o EAM. Após 44 dias de combates, as
unidades de ELAS retiram-se de Atenas. Em 12 de fevereiro de 1945, o EAM
em nome da unidade nacional assinou o acordo inaceitável de
Varkiza, que previa entre outras coisas o desarmamento do ELAS.
Não obstante esse acordo, a burguesia não foi capaz de
restabelecer plenamente a sua dominação. Então, para
consolidar o seu poder, recorreu à violência criminal e ao
terrorismo. Entre o acordo da Varkiza e 31 de Março de 1946 foram
assassinados 1.289 membros do EAM, feridos 6.671, torturados 31.632, presos
84.931.
Sublinho que as tropas de ocupação britânicas desencadearam
uma feroz repressão; armaram o exército da burguesia e
lançaram-no contra o movimento popular. Este foi confrontado com uma
alternativa. Ou ceder ou lutar. Embora tardiamente, optou pela luta. O novo
movimento de guerrilha, o Exército Democrático da Grécia
(DSE) nasceu nas montanhas. Foi uma luta justa, anti-imperialista e
internacionalista.
Durante três anos, o Exercito Democrático resistiu. Chegou a
contar com 30 mil guerrilheiros. Travou combates vitoriosos sobretudo nas
áreas próximas das fronteiras da Albânia e da
Jugoslávia. A participação do KKE, então dirigido
pelo secretário-geral, Nikos Zachariadis, foi decisiva. Mas a
desproporção de forças (o exército, equipado com
armas pesadas, tinha 200 mil homens) impediu o DSE de atingir o objetivo:
derrotar a burguesia e o imperialismo.
Pouca gente sabe que as bombas de napalm foram utilizadas pela primeira vez
numa batalha no monte Grammos quando o exército burguês
lançou 338 sobre as posições do DSE.
Devido à desigualdade das forças em combate, a guerra terminou
com a derrota do exército do povo. Nesse período da guerra civil,
morreram 150 mil pessoas.
Mais de 65 mil combatentes do DSE foram obrigados a deixar o país com as
famílias e exilar-se em países socialistas.
É útil recordar que em 1947 as tropas britânicas se
retiraram e Londres transferiu para os EUA a direcção da luta
anticomunista na Grécia. Truman, e depois Eisenhower, Kennedy, Johnson,
Nixon, Carter, Reagan, Clinton, Bush pai e filho, e Obama mantiveram bases
militares no país. Alguns montaram conspirações,
fabricaram e depuseram governos e estimularam relações
conflituosas entre a Grécia e a Turquia. Sequelas dessa política
imperial são ainda identificáveis em sentimentos antiamericanos
muito vivos.
Washington apoiou a ditadura dos coronéis (de 67 a 74), um regime de
pesadelo que agravou as relações com o Turquia, contribuindo com
a sua irresponsabilidade para a intervenção militar desta em
Chipre.
A CRISE E O QUOTIDIANO
Na fisionomia de Atenas o estrangeiro recém-chegado tem alguma
dificuldade em identificar a profundidade da crise que atinge o país.
Atenas é uma cidade clara, predominantemente branca, com poucos parques
mas muitas ruas arborizadas, (a oliveira e a laranjeira são frequentes
na paisagem urbana), iluminada pelo sol mediterrânico, infestada por
automóveis e motos como outras capitais europeias. Com a agravante de
que não há quase estacionamentos subterrâneos.
Nas lojas não se nota escassez de roupas e comida. Os preços
são levemente inferiores aos de Portugal. O povo é amável,
na aparência alegre, cordial, extrovertido.
À noite, em Atenas, multidões de jovens invadem lugares centrais,
sobretudo a Praça Monasterakis, emoldurada por restaurantes populares, a
maioria com música. No centro, os cafés, apesar da crise,
estão cheios. A cozinha grega, marcada pelo Oriente (quatro
séculos de ocupação turca) é refinada, ótima.
A alegria de viver da juventude impressiona por inesperada, mas, ao conversar
com velhos amigos apercebi-me, após alguns dias, da profundidade da
dramática crise grega.
Percorri numa manhã durante horas áreas dos subúrbios e
zonas da cintura industrial. Os bairros de barracas desapareceriam há
anos, mas a pobreza das casas e dos moradores é identificável em
muitos bairros. No Pireu, nomeadamente no município de Parama, essa
pobreza transparece no casario que sobe pelas colinas que abraçam o
porto. No metro de Atenas e em ruas centrais, a presença de mendigos
aumentou muito desde o início da crise, segundo apurei.
A HERANÇA NEGATIVA DA UNIÃO EUROPEIA
O ingresso na União Europeia foi desastroso. Grande parte da
indústria foi destruída e a agricultura rudemente golpeada.
O país, durante décadas exportou açúcar, e era
quase auto-suficiente em carne e leite. Hoje importa esses produtos assim como
trigo e milho. A Grécia importa atualmente agora grande parte dos
alimentos que consome.
A cultura do algodão, antes florescente, base de uma poderosa
indústria têxtil, entrou em decadência.
RECORDANDO FLORAKIS
Dos meus dias na Atenas revisitada conservo memória de acontecimentos
que desencadearam em mim um turbilhão de emoções
inesperadas.
Um deles foi o ato público realizado em frente da casa de Charilaos Florakis que foi secretário-geral do KKE durante quinze anos.
Património do KKE, funciona hoje nela um centro de estudos com 30 mil
documentos digitalizados, muitos sobre a história do Partido, e conta
com uma biblioteca riquíssima.
A iniciativa integrou-se nas comemorações do centenário do
nascimento de Florakis e coincidiu com o décimo aniversário da
sua morte.
O evento, a que compareceram muitas centenas de militantes, realizou-se ao ar
livre, em frente do edifício. No discurso que pronunciou, Dmitri
Koutsoumpas, secretário-geral do Partido, evocou o significado da
intervenção na Historia do grande revolucionário,
denunciando a hipocrisia da burguesia grega que o combateu e injuriou com
ferocidade enquanto viveu para lhe reconhecer a grandeza somente após a
sua morte.
Ao ouvir as palavras de Koutsoumpas recordei que a atitude da direita
portuguesa e dos socialistas perante Álvaro Cunhal foi exatamente a
mesma.
Acompanhei com emoção aquela homenagem à memória do
herói comunista. Findou quando a noite havia já descido sobre
Atenas. Entre os presentes havia muitos jovens. Senti que eles são
já a ponte entre o passado e o futuro de um grande partido
revolucionário sobre o qual chovem críticas e até
calúnias das burguesias da Europa e da América um partido
que é incompreendido por organizações reformistas do
Movimento Comunista Internacional.
Porquê? Precisamente porque o KKE mantém uma fidelidade
intransigente aos valores e princípios do marxismo-leninismo e uma
confiança inquebrantável na derrota final do capitalismo num
mundo em crise civilizacional.
Atenas, Junho de 2015
1ª parte:
O SYRIZA sem máscara
O original encontra-se em
www.odiario.info/?p=3668
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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