TTIP, Transatlantic Trade and Investment Partnership
A Comissão Europeia cava a sua sepultura
A reputação da Comissão Europeia é terrível.
Tecnocratas e burocratas sem rosto dominam a perceção
pública. Estão ausentes a responsabilização e a
legitimidade. Então porque é que a Comissão rejeitou a
última
Iniciativa de Cidadania Europeia
e cava agora a sua sepultura?
Segundo a Comissão, a Iniciativa de Cidadania Europeia sobre o Acordo de
Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) e sobre o
Acordo Económico e Comercial Global (AECG) apoiada por mais de
250 organizações da sociedade civil em 21 estados membros
não está qualificada para ser ouvida. Numa
carta
aos organizadores, a Comissão escreve:
"A proposta de iniciativa de cidadania está manifestamente fora da
competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato
jurídico da União, para efeitos de aplicação dos
Tratados".
Por outras palavras, uma Iniciativa de Cidadania Europeia pode tratar
de questões sobre leis da UE mas não da Comissão.
Assim, a Iniciativa de Cidadania Europeia passou a ser totalmente ineficaz. Em
funcionamento desde o Tratado de Lisboa, visava uma crescente democracia
direta. Ao reunir um milhão de assinaturas de pelo menos sete estados
membros, os cidadãos podiam propor um ato legal a nível europeu.
Mas, ao que parece, não é possível fazer isso se a
iniciativa for questionar uma das prioridades da Comissão para o
próximo ano.
Isto confirma os piores receios dos ativistas. Os burocratas em Bruxelas
vão continuar a discutir o AECG e o APT à porta fechada. Os
críticos alertam para que os acordos comerciais que procuram
desregulamentar
a segurança alimentar e a proteção dos consumidores
, apresentam uma provisão ISDS que permitirá que empresas
processem estados por possíveis perdas de
lucros
que acabarão por corroer a soberania nacional de uma forma sem
precedentes. Fica fora de questão uma discussão pública
sobre as consequências de grande alcance destes acordos comerciais. Os
cidadãos não terão voz sobre se pretendem que a
segurança alimentar e a proteção ao consumidor sejam
desregulamentadas ou que as empresas multinacionais sejam dotadas de poderes
como os dos estados.
A Comissão deve acreditar que qualquer oposição apenas
irá atrasar o processo e tornar o fracasso ainda mais provável. A
consulta sobre a provisão ISDS (Investor-State Dispute Settlement)
demorou três meses e gerou
150 mil comentários
um cenário de pesadelo para a Comissão.
A Comissão quer evitar a todo o custo uma repetição da
campanha
right2water
. A campanha exigia o acesso a baixo custo e não privatizado à
água potável em 2013. Foi a primeira
iniciativa
a reunir mais de um milhão das assinaturas necessárias e
forçar assim um debate na Comissão da UE. Embora as Iniciativas
de Cidadania Europeia não sejam vinculativas, foi um êxito. A
Comissão da UE e a sua agenda de privatização da
água ficaram na defensiva. Uma Iniciativa de Cidadania Europeia sobre o
APT, muito provavelmente, faria descarrilar as negociações do APT
dada a ampla oposição que já existe.
Rejeitando a iniciativa, a Comissão cometeu um enorme erro. Parece que a
Comissão está a fazer tudo o que pode para desmobilizar
ativamente precisamente as pessoas que ainda demonstram alguma fé nas
instituições europeias. Está a lançar as sementes
do descontentamento em vez de integrar as ONG no processo de
participação política. É um erro pelo qual
não será apenas a Comissão a pagar um alto preço.
Também vai afetar negativamente outras instituições
europeias e acelerar a crise de representação na Europa.
Isto tem consequências de grande alcance e exige as perguntas: Como
é que os cidadãos dos seus estados membros reafirmam a sua
vontade e soberania popular? Ainda é possível pôr em
equação o projeto europeu com a União Europeia, a
Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, quando estes corroem
fundamentalmente a ideia europeia e a democracia? Chegou a altura de um
ceticismo progressivo na UE?
Os ativistas, as organizações da sociedade civil e os partidos
políticos progressistas que defenderam anteriormente a UE e as suas
instituições contra uma direita política em crescimento,
terão agora de repensar a sua posição em
relação à UE. Deixarão de poder argumentar que
é possível recuperar a União Europeia e as suas
instituições. Em consequência, terão de passar para
táticas mais radicais.
Nick Dearden, diretor do Movimento Mundial de Desenvolvimento
afirmou
: "Nada podia mostrar mais claramente que estes acordos comerciais
são um
desastre para a democracia no nosso continente. A União Europeia quer
cozinhar este acordo à porta fechada porque, se deixar que os
cidadãos se aproximem, não poderá controlar a
oposição. Mas os povos da Europa não aceitarão que
lhes seja imposta esta tomada de poder lutaremos contra esta
decisão, e derrotaremos estes acordos comerciais".
Embora venha a ser mais difícil conquistar apoio sem a Iniciativa de
Cidadania Europeia, é provável que se aprofunde a
oposição aos acordos comerciais. Os ativistas que pensavam
começar a petição a 25 de Setembro vão agora seguir
o caminho legal, na esperança de conseguir inverter a decisão no
Tribunal Europeu de Justiça.
A lei deverá ser a seu favor, já que os serviços
científicos do Bundestag alemão já declararam
legítima esta iniciativa. Mas, mesmo que a estratégia legal seja
bem-sucedida, as ONG e as organizações da sociedade civil
sairão à rua a 11 de Outubro. Mas os protestos não ficam
por aqui. Afinal, as ONG e as organizações da sociedade civil
aprenderam que foram as manifestações de massas e a
desobediência civil em Seattle em 1999 ou em Cancum em 2003 que fizeram
descarrilar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Os
cidadãos europeus só podem ter esperança de que as ONG
não esqueçam as lições.
Ver também:
stop-ttip.org/
TTIP: o tratado da capitulação da Europa
O tratado de comércio livre EUA-UE: a grande golpada
[*]
Escritor e ativista com sede em Colónia, na
Alemanha e em Londres, no Reino Unido. Tweets @mdbergfeld
O original encontra-se em
rt.com/op-edge/188428-ttip-eu-ceta-reject-initiative/
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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