A utilização da Segurança Social para aumentar a
competitividade determina a sua transformação numa
segurança social minimalista e assistencialista
A missão da Segurança Social não é servir de
instrumento para aumentar a competitividade. No entanto, um dos mitos criados e
repetido pelos media de uma forma acrítica é que o
"peso" das contribuições patronais para a
Segurança Social em Portugal é muito elevado quando o comparamos
com o dos outros países da UE, afirmação esta que, de
tão repetida, acaba por passar como verdadeira, e isso seria uma causa
importante da falta da competitividade das empresas portuguesas. Por isso, para
aumentar a competitividade das empresas seria necessário reduzir as
contribuições. Vamos analisar este "argumento"
utilizando dados do Eurostat e do INE.
Quadro 1 Contribuições pagas pelas empresas para a
Segurança Social, 2001-2012
COTIZAÇÕES SOCIAIS PAGA PELOS PATRÕES - Em % do PIB de
cada país
|
PAÍSES
|
2001
|
2005
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
|
União Europeia
|
:
|
10,6%
|
10,4%
|
10,9%
|
10,8%
|
10,8%
|
10,7%
|
|
Zona euro
|
11,5%
|
11,2%
|
11,2%
|
11,6%
|
11,5%
|
11,5%
|
11,6%
|
|
Grécia
|
9,6%
|
9,1%
|
9%
|
9,2%
|
9,4%
|
9,2%
|
10,1%
|
|
Espanha
|
11,3%
|
10,9%
|
11,2%
|
11,4%
|
11,2%
|
11,2%
|
10,9%
|
|
Itália
|
10,6%
|
11%
|
11,3%
|
11,5%
|
11,5%
|
11,5%
|
11,5%
|
|
Portugal
|
7,5%
|
7,8%
|
7,9%
|
8,4%
|
8,3%
|
8,3%
|
7,7%
|
|
Portugal % UE
|
|
73,6%
|
76,0%
|
77,1%
|
76,9%
|
76,9%
|
72,0%
|
Fonte: Eurostat
Em percentagem do PIB, as cotizações pagas pelas entidades
patronais em Portugal estão muito abaixo quer da média dos
países da União Europeia
(em 2012, último ano disponibilizado pelo Eurostat, as pagas pelos
patrões portugueses correspondia a 7,7% do PIB, ou seja, apenas 72% da
média europeia)
, quer em relação a países que se encontram mais
próximos de Portugal
(Grécia, Espanha e Itália
). E se a comparação for feita com os países da Zona do
Euro, a distância que separa Portugal desses países, em
percentagem do PIB em despesas sociais, é ainda maior, pois a
média neles é cerca de 50,6% superior ao valor em Portugal
(nos países da Zona do Euro, as contribuições patronais
representaram em 2012, em média, 11,6% do PIB enquanto em Portugal, no
mesmo ano, correspondia a apenas 7,7% do PIB, segundo o Eurostat).
E na Zona do Euro estão os países mais desenvolvidos e
competitivos da União Europeia. Face a estes dados do Eurostat, afirmar
como muitos fazem, que o peso das contribuições patronais para a
Segurança Social é a razão da falta de competitividade das
empresas portuguesas e pensar que, reduzindo-as, a competitividade das empresas
nacionais aumentará, é enganar-se a si próprio ou procurar
enganar e manipular a opinião pública.
UMA DIMINUIÇÃO DE 4 OU 8 PONTOS PERCENTUAIS DA TSU TEM REDUZIDO
IMPACTO NA ESTRUTURA DE CUSTOS DAS EMPRESAS, SENDO INSIGNIFICANTE A
REDUÇÃO DE PREÇOS
Mas não é apenas pelas razões anteriores que tal
redução não terá qualquer impacto significativo no
aumento da competitividade das empresas pela via da redução dos
preços. Para concluir isso, basta analisar os efeitos de tal medida na
estrutura de custos das empresas, o que é possível através
do quadro 2 construído com dados disponibilizados pelo INE das empresas
não financeiras
existentes em Portugal.
Como mostram os cálculos feitos com base nos dados do INE, uma
redução de 4 pontos percentuais na taxa contributiva paga pelas
entidades patronais
(passaria dos 23,75% atuais para 19,75%)
determinaria uma redução média nos custos das empresas em
apenas 0,41% Se a redução fosse 8 pontos percentuais
4 na TSU paga pelos trabalhadores e 4 na paga pelos patrões, como
defende o grupo de economistas do PS
a redução nos custos nem chegaria a 1%. É evidente
que não é com uma redução de custos desta
dimensão que se poderia aumentar a competitividade das empresas
portuguesas pela via dos preços e promover o investimento, como alguns
dizem. O único resultado certo e imediato seria o aumento dos lucros em
mais mil milhões das empresas não financeiras à
custa da descapitalização da Segurança Social. Os
trabalhadores pagariam a redução com pensões
mínimas de miséria no futuro.
O ATAQUE À SUSTENTABILIDADE DA SEGURANÇA SOCIAL E À SUA
TRANSFORMAÇÃO EM ASSISTENCIALISTA: indícios de uma
aliança PS/PSD que se espera que não se confirme
A Segurança Social é vital para milhões de portugueses.
Acompanha-os desde o nascimento até à morte, garantindo a
subsistência, em momentos da nossa vida quando não temos
capacidade para angariar rendimento
(subsidio de nascimento, abono de família, subsidio de doença,
subsidio de desemprego, RSI, pensão de invalidez e velhice, CSI,
subsidio de morte, etc., etc.)
, por isso deve merecer um cuidado e uma atenção muito especial,
não podendo estar sujeito as experiências, sejam eles de
economistas, políticos, ou quaisquer outros. Tudo isto vem a
propósito da intenção manifestada por Passos Coelho de
baixar a TSU e, mais recentemente, de um
grupo de economistas escolhidos pelo secretário-geral do PS
, que defendem a redução, gradual, em 4 pontos percentuais, quer
da TSU paga pelas empresas
(de 23,75% para 19.75%)
quer da TSU paga pelos trabalhadores (
de 11% para 7%),
o que torna a situação ainda mais grave pois parece indiciar uma
aliança (que se deseja que não se confirme) PS/PSD no ataque
à Segurança Social.
A implementação desta proposta causaria um rombo nas receitas da
Segurança Social que estimamos superior a 3.000 milhões
por ano no fim do período de implementação
(o "grupo de economistas" diz que a perda seria de 850 milhões
+ 1.050 milhões = 1.900 milhões sendo, em
2016, 420 milhões ).
É evidente que tal redução poria em causa a
sustentabilidade da Segurança Social, reduzindo-a, a curto prazo, a uma
Segurança Social de mínimos, e meramente assistencialista.
É certo que o "grupo de economistas" defende que tal
redução seja compensada pela receita de um imposto a
lançar sobre as heranças de valor elevado (superior a 1
milhão , o que poderia dar uma receita incerta de 104
milhões ) e do congelamento da redução da taxa de
IRC (
o que não aumenta a receita, apenas evita a redução)
Mas mesmo assim, a sustentabilidade da Segurança Social, ou seja, do
pagamento das pensões e de outras prestações sociais seria
posto em causa. E isto por várias razões. Em primeiro lugar,
porque se trocaria uma elevada de receita certa e imediata por uma receita
incerta e insuficiente. Em segundo lugar, porque o carater sinalagmático
da relação que existe na Segurança Social
(as contribuições pagas dão o direito ao trabalhador a
receber uma pensão)
enfraqueceria significativamente, já que passariam a depender de
impostos os quais estariam condicionados pelas necessidades orçamentais.
Isso determinaria mais um corte nas pensões futuras como defende o
próprio "grupo de economistas". E as despesas sociais em
Portugal já são das mais baixas da UE (quadro 3) e sofreriam
ainda mais cortes.
A despesa social por habitante em Portugal (3.769) é
significativamente inferior à média dos países da UE
(6.771) e também bastante inferior a países como Irlanda,
Grécia Espanha e Itália. Querer reduzi-la ainda mais é
condenar à miséria milhões de portugueses. É
preciso não esquecer nas propostas que acabarão por determinar
inevitavelmente pensões e outras prestações mais
reduzidas, apesar destas serem já muito baixas em Portugal
É PRECISO ALARGAR E DIVERSIFICAR A BASE CONTRIBUTIVA DA SEGURANÇA
SOCIAL MAS NÃO DA FORMA DEFENDIDA PELO "GRUPO DE ECONOMISTAS"
ESCOLHIDOS PELO PS
É urgente não só diversificar as fontes de financiamento
da Segurança Social como é defendido pelo "grupo de
economistas", mas fundamentalmente alargar a base contributiva para
garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social. O modelo
atual contribuições com base nas
remunerações já tem mais de 50 anos e não se
ajusta ao desenvolvimento técnico, científico e empresarial
atual. Atualmente as empresas que criam mais riqueza não são
aquelas que necessariamente empregam mais trabalhadores e pagam maior volume de
salários. Fazer depender o volume de receitas da Segurança Social
apenas do volume de salários pagos, por um lado, é conduzir a
Segurança Social ao estrangulamento financeiro, pois é cada vez
menor a parte dos salários na riqueza criada pelas empresas mais
desenvolvidas e, por outro lado, agrava a concorrência desleal entre as
empresas pois as que pagam maior volume de salários contribuem muito
mais para a Segurança Social do que aquelas que pagam menor volume de
salários que muitas vezes são as tecnicamente mais desenvolvidas
e que criam maior riqueza
(por ex., a EDP contribui para a Segurança Social com menos de 5% da
riqueza que cria, enquanto uma empresa têxtil, que emprega muitos
trabalhadores, contribui com entre 13% e 15% da riqueza que cria).
É por tudo isto que temos vindo a defender há já
vários anos que, embora se mantendo para os trabalhadores o
cálculo das suas contribuições com base nas
remunerações, o cálculo das contribuições
das empresas devia passar a ser feita com base na riqueza liquida criada por
cada uma delas
(aquilo que os economistas designam por Valor Acrescentado Liquido, ou VAL)
que é, em média, o dobro das remunerações pagas.
Isto determinaria, por um lado, que se reduzisse a taxa contributiva que incide
sobre as empresas; por outro lado, que as empresas que criam mais riqueza
contribuíssem mais para a Segurança Social acabando com
concorrência desleal entre empresas; finalmente alargar-se-ia para o
dobro a base de contribuição das empresas para a Segurança
Social, acabando com a injustiça que resulta das empresas que despedem
recebem um prémio pois passam a contribuir com menos para a
Segurança Social, enquanto as que criam emprego são penalizadas
pois pagam mais para a Segurança Social. Para garantir o fluxo normal
mensal de receitas à Segurança Social as
contribuições das empresas continuariam a ser calculadas com base
nas remunerações que pagam sendo depois, à
semelhança do que acontece com o IRS, feito o acerto com base no VAL
calculado a partir dos dados constantes do modelo 22 e da
declaração empresarial simplificada (IES) que as empresas
são obrigadas a entregar no inicio do ano seguinte com dados do ano
anterior.
Esta mudança de base contributiva apenas para as empresas, e não
para os trabalhadores, permitiria garantir a sustentabilidade financeira da
Segurança Social ajustando ao desenvolvimento económico e
científico. Aqueles que afirmam a falta de sustentabilidade da
Segurança Social, estão formatados pois recusam-se a pensar num
novo paradigma, apesar da realidade ter mudado muito. Esta nova base de
cálculo das contribuições patronais para a
Segurança Social poderia ainda ser completada e fortalecida com a
diversificação de outras fontes de financiamento com as sugeridas
pelo "grupo de economistas", mas seriam fontes complementares.
Alguns leitores têm-me colocado a questão: Por que razão
não se aplica uma contribuição sobre a
faturação das empresas? Eu não defendo essa
"solução" por duas razões. Em primeiro lugar,
porque seria mais uma espécie de IVA, e como se sabe o IVA é um
imposto injusto, pois seja-se pobre ou rico paga-se o mesmo montante de imposto
quando se adquire o mesmo produto ou serviço. Em segundo lugar, porque
as empresas que faturam mais não são necessariamente as empresas
que criam mais riqueza, pois a margem pode ser pequena.
25/Abril/2015
[*]
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