Transições entre sistemas económicos
A transição do feudalismo para o capitalismo na Europa, sobretudo
a partir dos séculos XVII a XIX, assumiu múltiplas formas. Ela
também foi desigual, acontecendo de diferentes modos a diferentes taxas
em diferentes lugares. Marx estudou várias dimensões da
transição porque elas muitas apresentavam lições
válidas para a transição diferente em que estava
interessado: a saída do capitalismo para o socialismo e o comunismo. Tal
lição precisa agora ser reformulada. Os impulsos transicionais
para além do capitalismo também assumirão formas
múltiplas; já estão a assumir.
Em certos casos o feudalismo entrou em colapso quando os servos fugiam da
exploração nas propriedades dos seus senhores para tornarem-se
foras-da-lei na floresta (estilo Robin dos Bosques) ou moradores em cidades,
artesãos por conta própria, mercadores ou assalariados (todas elas
relações não feudais). Por vezes, quando senhores feudais
afundavam em dívidas que não podiam pagar, as suas propriedades
dissolviam-se. Outras vezes os custos e efeitos sociais da guerra entre
senhores feudais destruíram-nas. Em outros casos os senhores libertaram
os seus servos em troca de pagamentos
(fees):
os czares russos, eles próprios produto do feudalismo, aboliram-no por
decreto do governo em 1863. Algumas vezes, como em França em 1789,
impulsos transicionais existentes há muito dentro do feudalismo
culminaram numa Revolução unificada da maior parte dos
serviços e ex-servos. Nas transições atingidas pela
revolução, diversos impulsos fundiram-se em movimentos que
já não focavam este ou aquele senhor, mas contra todo o sistema
feudal. As forças individuais dos impulsos que os constituíam e o
movimento unificado que consumaram foram em conjunto capazes de abolir o
feudalismo.
A transição do capitalismo para o socialismo ou comunismo
provavelmente também assumirá múltiplas formas e
apresentará múltiplas dimensões. Crises globais do
capitalismo como sistema tal como a actual revelam os seus pontos
mais fracos, tais como "programas de recuperação"
financiados pelo estado que favorecem negócios enormes em detrimento de
todos. O criticismo pode amadurecer rapidamente, indo de políticas e
instituições específicas para o sistema económico
capitalista.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o sindicato
United Steelworkers Union
(USW) acordou em Outubro último colaborar com a
organização
Mondragon
da Espanha promover e desenvolver cooperativas de trabalhadores como um meio de
gerar empregos. A alta do desemprego provocada pela crise ao longo de 2009 sem
dúvida ajudou a levar a USW àquela colaboração.
Cooperativas de trabalhadores são muitas vezes organizadas de uma
maneira
não capitalista.
Ou seja, os próprios trabalhadores apropriam-se e distribuem os
excedentes (ou lucros) produzidos pelo seu trabalho. Eles tornam-se,
colectivamente, o seu próprio conselho de administração.
Nenhumas outras pessoas além daqueles trabalhadores actuam como
administradores; a organização capitalista da
produção portanto desaparece.
Numa outra iniciativa de transição para além do
capitalismo, estudantes e funcionários de uma escola na
Califórnia combatem a crise severa provocada pelos cortes na
educação. A partir do ataque de tais políticas como
respostas inadequadas a uma crise capitalista, o seu activismo evolui para o
questionamento da desejabilidade de um sistema económico que tão
regularmente mergulhas as sociedades em crises. A população dos
EUA observa os salvamentos de capitalistas financiados pelo governo Bush e
Obama, juntamente com os seus fracassos em ajudar os milhões que
perderam empregos e casas; a observação evolui rumo a
questões acerca de um sistema que funciona de tal maneira. O compromisso
de Obama para mais milhares de milhões em guerras infindáveis
desvia recursos da resolução de outros problemas, internos e
externos. Movimentos e partidos políticos explicitamente
anti-capitalistas emergem e crescem na Europa; eles tomam o poder em grande
parte da América Latina.
Naturalmente, na transição europeia do feudalismo para o
capitalismo, o que as pessoas pensavam que estavam a fazer e o que elas
realmente fizeram não eram a mesma coisa. Os revolucionários
franceses acreditavam sobretudo que estavam a instituir a "liberdade,
igualdade e fraternidade! contra a tirania absolutista. A
percepção de Marx e outros veio posteriormente e através
deles entendemos que 1789 assinalou uma transição entre
diferentes sistemas económicos (juntamente com a sua outras
consequências sociais).
Hoje beneficiamos do facto de termos consciência das
transições entre sistemas económicos. Podemos compreender
como o capitalismo também, tal como o feudalismo, pode provocar uma
transição para além de si próprio. Podemos
perguntar se movimentos contemporâneos pela mudança social
centrados na política (democracia, igualdade, liberdade, etc) podem
estar a mascarar ou obscurecer impulsos para a transição do
sistema económico capitalista para o socialista ou comunista. Podemos
considerar se e como desenvolvimentos díspares que minam, questionam e
desafiam o capitalismo ao longo das últimas décadas e
especialmente neste novo milénio podem ser unificados num
movimento social suficientemente forte para irromper numa
transição.
Esta consciência de transições entre sistemas
económicos retorna-nos àquele notável prenúncio de
eventos futuros, o acordo USW-Mondragon. Ele representa uma tentativa rumo
à coordenação, combinação e então
unificação de dois movimentos sociais até recentemente
desconectados. Por um lado, as lutas tradicionais do movimento laboral sobre a
dimensão dos salários e benefícios, sobre aspectos do
processo laboral, sobre os termos da exploração do trabalho pelo
capital. Os sindicatos podem desafiar a quantidade de excedentes
disponíveis para o capital apropriar e distribuir a fim de assegurar a
sua reprodução. Por outro lado, a existência e
história da Mondragon inclui organizações não
capitalista de produção onde trabalhadores funcionam em ambos os
lados da negociação salarial e não trabalhadores
estão excluídos em princípio de ocupar uma
posição de capitalista/patrão. Tal realidade desafia o
capitalismo ao apresentar trabalhadores e consumidores uma
organização alternativa de produção que tem tido
êxito e crescido ao longo do último meio século.
Muitos limites e obstáculos erguem-se entre este primeiro acordo
experimental de colaboração entre um sindicato, uma
organização de produção não capitalista e
uma transição para além do capitalismo. Muitas outras
mudanças e movimentos sociais a avançarem serão
necessários para reunir a massa crítica exigida para irromper
numa transição genuína. Não há
inevitabilidades aqui: nada garante que isto acontecerá.
Contudo, uma força a mover-se na direcção da
transição está auto-consciente e tem sensibilidade quanto
ao seu potencial em todos os tipos de mudanças actuais. O aprofundamento
das contradições e crises do capitalismo traz a questão da
transição entre sistema económicos às mentes das
pessoas e cada vez mais às agendas pela mudança social. O acordo
USW-Mondragon mostra que há impulsos significativos para unificar
movimentos em torno de agendas que explicitamente incluam
organizações não capitalistas de produção.
Ele representa um sinal politicamente esperançoso para o Novo Ano.
[*]
Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
Amherst. Autor de
muitos livros e artigos
, incluíndo (c/ Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). O seu novo livro acerca da crise actual é
Capitalism Hits the Fan
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff010110.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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