Campeonato mundial: que vença um país sem fanáticos
(Sugestão: na leitura do artigo experimente substituir mentalmente a
palavra "México" por "Portugal")
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"O Campeonato Mundial é um grande circo. Mas o povo precisa de
pão".
Qual será o estado de espírito após o Campeonato Mundial?
É uma coisa estranha. Apesar de haver grande excitação
acerca do Campeonato, experimentamos tremendas dificuldades. Não
sou uma desmancha-prazeres, com certeza. O povo precisa de pão e circo,
e isto é um grande circo. Deixem-no desfrutar. Mas e o pão?
Será uma coisa boa para a África do Sul?
É difícil avaliar qual será o benefício posterior.
Tomem-se os estádios será que realmente precisamos deles?
E o que fazer com eles? O dinheiro que está a ser gasto podia
proporcionar habitação para muitos que estão a viver em
barracos.
Nadine Gordimer
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1. O mundial de futebol ainda não se iniciou, mas a rádio e a TV
não param, durante horas, a sua campanha de alienação para
tentar embrutecer mais os fanáticos. Bastou um triunfo da
selecção mexicana para que não pudéssemos ouvir
outra coisa senão locutores enlouquecidos da Televisa, TV Azteca,
Rádio Fórmula e outros media a gritarem que "como o
México não há dois".
A realidade é que como o México não há dois
países mais miseráveis, mais desempregados, mais mal governados e
com maiores deficiências em serviços de saúde,
educação ou assistência social. Não pude escutar
Aristegui, nem nada mais. Quanto tempo tardará esse famoso campeonato
mundial para deixar de ouvir o nacionalismo brutal, para deixar de ouvir as
vozes triunfantes em rádios e televisões que só
estão ao serviço do capital? Quanto tempo devo esperar para
não observar o crescimento do fanatismo e da alienação do
nosso povo?
2. Se tivesse deus pedir-lhe-ia com toda devoção que a equipe de
futebol do México perdesse na primeira volta do campeonato mundial,
porque do contrário já não poderei ouvir os
noticiários que apesar de deformados e manipulados me
põem ao par sobre algo do que acontece no país e no mundo.
Durante um mês não sei quanto dura terei desligado
esses media para não ter de suportar os locutores selvagens e
comentários tontos. Penso que uma vez afastado o México pareceria
que o famoso mundial havia chegado ao fim, ainda que a rádio e a TV
como empresas comerciais gigantescas não deixassem de nos
lixar lançando bajulações ao brasileiros ou outra equipe
que lhes proporcionasse lucros. Os governos e os empresários diriam que
é preciso sermos "patriotas" para continuar a alienar o povo e
assim continuar a oprimi-lo; a única coisa que sempre procuraram e
conseguido é fazer a população mais tonta para melhor
controlá-la.
3. Sempre aplaudi a perda da equipe mexicana para que os fanáticos se
tornem mais críticos, se indignem ou pouco mais pela
situação de pobreza, desemprego e miséria em que vive 70
por cento da população e para que comecem a ver e reconhecer que
o México está lixado em todos os aspectos por culpa de um punhado
de ricos que sempre dominaram o poder. Por que me enoja que a equipe mexicana
ganhe? Porque os fanáticos que são muitos
enlouquecem de alegria, gritam como louco "México,
México" como se vivessem num país de justiça, de
igualdade e felicidade esquecendo que são miseráveis e explorados
e que a sua família apenas consegue comer. Os governos escondem-se
quando a equipe perde, mas quando ganha passeiam-se entre as multidões,
levantam a mão à equipe e com o dinheiro do povo
presenteiam os jogados com casas e automóveis. Essa loucura e
alienação é construída pelos media e pelo governo.
4. Aparentemente o futebol não é senão uma droga legal
efectiva para manter submissa a população. O fanatismo
futeboleiro provoca confrontos, destroços, mortos e assassinatos, mas os
milhares de milhões de lucros empresariais e a alienação
da população são muito superiores em valor para que a
classe política continue a controlar a situação. Faz-me
recordar os escravocratas da Roma antiga que para manter controlados e
entretidos os escravos ofereciam-lhes "pão e circo", ou seja,
davam-lhes festas nos grandes circos ou estádios para verem e aplaudirem
os leões a estriparem os cristãos (então rebeldes) ou como
os mesmos escravos destroçavam-se lutando entre si. Os escravos de agora
possuem circos mais variados criados pela TV como novos heróis a partir
de propaganda e publicidade intensas. Ídolos com pé de barros que
com a publicidade são convertidos em heróis de multidões.
5. Será por acaso proibido que os fanáticos gozem momentos de
alegria que também servem para fazer esquecer as suas penas? Não,
obviamente não. Mas não têm porque festejar a sua
escravidão e a sua submissão enquanto aqueles acima deles
os que oprimem e manipulam gozam escarnecendo da sua estupidez e
ignorância e aproveitando-se ela. Quantos multimilionários
surgiram por causa da opressão e alienação dos nossos
povos? Quantos desses capitais milionários servem para armar
exércitos e polícias, assim como para manter mais meios de
informação a fim de dar continuidade ao sistema? A liberdade
humana, que é libertação, nada tem a ver com "a
liberdade" para submeter-se ao tirano, que é (ao mesmo tempo) a
liberdade para regressar à escravidão. Que tal se submeter-se ao
tirano provoca em muitos mais satisfações do que estarem a
confrontar-se permanentemente para libertar-se?
6. Talvez em nenhum país do mundo os meios de informação
sejam confrontados por negócio tão gigantesco, talvez tão
pouco haja outro país no qual um futebolista tenha rendimentos mil ou
duas mil vezes superiores ao de qualquer trabalhador. Confesso minha absoluta
ignorância nesta matéria de futebol pois só sei que o
salário mínimo de um trabalhador é apenas de quatro
dólares por dia, ao passo que um alto político ou um futebolista
levam muitos milhões de dólares ao bolso. De onde sai esse
dinheiro que acumulam e espatifam? De mais lugar nenhum senão da
exploração do trabalho de milhões de mexicanos que por
terem um salário adequado vivem na pobreza e na miséria, mal
atendendo às suas famílias. Mas para isso servem os
negócios da propaganda e da publicidade que mantêm de boca aberta
o público da rádio e televisão. Para que estes, alienados,
corram a consumir o que a publicidade lhes mete na cabeça.
7. O futebol deveria ser um desporto mais e os triunfos ou derrotas das equipes
do país não deveriam causar enlouquecimentos de alegria ou
tragédias. Mas no México o futebol é um enorme
negócio, assim como o pão e o circo que oferecem aos
fanáticos. Os meios de informação construíram o
fanatismo para aproveitar-se dele. Por isso agradar-me-ia que no futebol
triunfassem sempre países como a Suíça, Noruega, Dinamarca
o qualquer nação onde não existissem o fanatismo brutal e
os ricos não pudessem utilizá-lo como instrumento de
opressão e submissão. Não sei o que sucede com este
desporto/negócio no Brasil, Argentina ou Peru, não sei até
que grau será utilizado como aconteceu no México durante
mais de 50 anos para que as empresas acumulem capitais gigantescos e
aproveitem-se para manter o público idiotizado enquanto o submetem.
Poderá alterar-se algum dia essa realidade construída pelo
capitalismo?
07/Junho/2010
O original encontra-se em
http://www.argenpress.info/2010/06/que-gane-el-mundial-de-futbol-un-pais.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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