Crise sistémica global 2015
Petróleo, moedas, finanças, sociedades, Médio-Oriente:
A grande tempestade no Ocidente!
Há já quase dois anos, combinando diversos ângulos de
abordagem (especulativos, geopolíticos, tecnológicos,
económicos, estratégicos, monetários
), que
insistimos na antecipação de uma crise maior de todo o setor
petrolífero. Hoje, mais ninguém duvida que acertámos e que
o GEAB deve agora antecipar as consequências desta verdadeira bomba
atómica que começa a abanar todos os pilares do antigo sistema: a
moeda internacional tal como a conhecemos, os mercados financeiros tal como os
conhecemos, os Estados Unidos tal como os conhecemos, a aliança
ocidental tal como a conhecemos, o governo mundial tal como o conhecemos, a
democracia tal como a conhecemos, etc.
"Crise sistémica global: o fim do Ocidente tal como o conhecemos
desde 1945"
Gostaríamos agora de regressar à antecipação
histórica do GEAB, realizada por Franck Biancheri em fevereiro de 2006,
que anunciava o início de uma
crise sistémica global sob o título "o fim do Ocidente tal
como o conhecemos desde 1945"
[1]
. Este mundo ocidental teve portanto nove anos para se desmantelar (ou 7 anos,
se situarmos o início desse processo na crise do
sub-prime
em 2008, como será rigoroso fazer)
Durante estes nove anos, o
GEAB fez um trabalho pedagógico sobre a crise, com o objetivo claro de
contribuir para revelar todas as soluções que existiam para sair
o mais rapidamente possível da mesma e o menos dolorosamente
possível. Aparentemente, fora o trabalho realizado pelos BRICS que, como
foi igualmente antecipado pelo GEAB, se dispuseram à tarefa enorme de
criar as bases do mundo de amanhã, o mundo ocidental tem feito, por sua
vez, aqui e ali, alguns esforços cujos sinais percebemos, mas, neste
final de 2014, e por causa da enorme destabilização causada pela
rutura das relações euro-russas na crise ucraniana, temos alguma
dificuldade em projetar um cenário positivo para o ano que se avizinha.
O ano de 2015 vai consagrar o colapso completo do mundo ocidental tal como o conhecemos
desde 1945. O que será um enorme furacão, que irá rebentar
e fazer tremer todo o planeta, mas os pontos de rutura situam-se no "Porto
do Ocidente", que não é já um porto há muito
tempo mas que se vai revelar em 2015 ter sido, de facto, o olho do ciclone,
como não deixámos de repetir desde 2006. Quando alguns barcos se
preparavam para se fazer ao largo, a crise ucraniana teve como efeito fazer
regressar alguns desses barcos ao porto, amarrando-os firmemente. Infelizmente,
é o próprio porto que faz agitar os barcos e são aqueles
cujas amarras são mais sólidas que irão naufragar
primeiro. Estamos a pensar, naturalmente, na Europa, em primeiro lugar, mas
também em Israel, nos mercados financeiros e no governo mundial.
É a paz que está em jogo, uma paz que não é mais
agora que uma palavra vã. Perguntemos à China, à
Índia, ao Brasil, ao Irão, etc., se o Ocidente transmite ainda
alguma imagem de paz. Quanto aos valores democráticos, aquilo que
nós mostramos faz mais de papel de timbrado que de modelo
ao ponto
do princípio universal da democracia ter sido incluído no
conjunto de conceitos culturalmente relativizáveis e ter acabado por
servir agendas antidemocráticas de toda a espécie, na Europa e
noutros sítios. Não é, portanto, o princípio da
democracia que causa problemas (é necessário sim, pelo
contrário, reinventar modos para a sua aplicação, em
conjunto com os novos poderes emergentes), mas a incapacidade dos ocidentais em
adaptar a sua realização às novas características
da sociedade (emergência de entidades políticas,
de facto,
supra nacionais, a internet que transforma a estrutura social).
A crise petrolífera é sistémica porque está ligada
ao fim da era do tudo-petróleo
Regressemos também por um instante às principais
características desta crise sistémica petrolífera tal como
a analisámos. Muito resumidamente e de forma a salientar a natureza
sistémica desta crise, para melhor assentar o seguimento das nossas
antecipações, é o sistema de governo mundial do mercado do
petróleo, a
OPEP
, que foi atingida. Os Estados Unidos, que eram os seus governantes até
cerca de 2005
[2]
, viram chegar os emergentes cujos níveis de consumo os tornavam
inevitavelmente co-governantes.
Tornava-se necessário agir sobre estas mudanças através de
uma reforma do sistema anterior de governo, de modo a colocar todo o mundo no
mesmo clube. Em vez disso, apavorados com a ideia de um aumento do preço
do petróleo ao qual a economia americana, totalmente dependente desta
matéria-prima (contrariamente à Europa), por não ter
investido de forma significativa e coordenada nas energias renováveis,
não seria capaz de resistir, os Estados Unidos decidiram romper qualquer
lógica de coordenação mundial criando um mercado
concorrente, o mercado do xisto, destinado a fazer baixar os preços.
Sabemos, infelizmente, as consequências de uma competição
em matéria de acesso aos recursos energéticos
a Europa,
pelo menos, deverá sabê-lo
[3]
.
Com esta rutura maior combina-se uma outra tendência, muito pouco falada
nos media atualmente, a do fim do petróleo como fonte principal de
energia da economia mundial. E é este segundo factor que torna a
situação atual completamente incontrolável. Os
preços abrandam porque a era do petróleo está a terminar e
ninguém pode fazer nada. Nós já o antecipámos
há muitos meses
[4]
: a China equipa-se com um parque automóvel completamente
elétrico
[NR]
[5]
, e, ao fazê-lo, fará passar o parque automóvel mundial
para eletricidade: uma vez que a tecnologia exista e que a
massificação seja inevitável, todos irão passar
para o elétrico. Nós antecipámos que esta
transformação se daria em 10 anos e que em 5 anos o ponto de
inflexão em matéria de consumo seria atingido. Já passou
um ano, ou menos, desde essa antecipação. E os especuladores
começam a definir um horizonte de quatro anos
[6]
.
Na realidade, o "pico do petróleo" é o que o LEAP chama
de "antecipação de sucesso": colocá-lo em
perspetiva permitiu "evitar" o problema. O medo de uma penúria
e de uma explosão dos preços, boas a más
estratégias de contornar a situação (renováveis e
xisto), tudo combinado com a crise económica e, por fim, uma agenda
ecológica que verificamos ter sido ativamente retomada este ano
[7]
, o mundo está "pronto" a encerrar a era do
petróleo
com a exceção dos atores cuja
existência está ligada a esta matéria-prima e que se
vão fazer ouvir violentamente antes de desaparecer.
Mas mais uma vez, os nossos leitores que não me interpretem mal: o
petróleo continuará por muito tempo a ser utilizado para fazer
girar os motores e fábricas do mundo (ele tem mesmo muitos anos pela
frente já que o risco de escassez foi adiado por muitas décadas),
mas a "era" do petróleo soberano termina e isso constitui uma
mudança sistémica.
Na parte Telescópio, desenvolveremos as consequências da crise
sistémica petrolífera sobre os mercados financeiros em
particular. Os mercados financeiros, que bem "resistiram" a seis
longos anos de crise, sufocando nos seus braços mecânicos a
economia real e mostrando como eram o cerne do problema, não irão
sobreviver ao choque que se avizinha, por um lado, da indústria
petrolífera, ator central, e do outro lado do dólar, instrumento
principal do planeta financeiro. Mas outras bombas estão preste a
explodir como se estas não fossem suficientes
.
[1] Fonte :
LEAP/Europe2020
, 15 de fevereiro de 2006
[2] Na realidade o início da subida dos preços do
petróleo data de 2003 e é em 2006 que essa subida se torna
explosiva. Mas 2005 é uma data recorrente quando se analisam as subidas
das tarifas em termos do consumo dos países emergentes em vez dos
caprichos da geopolítica do Médio Oriente, e de maneira geral
quando se observa o progressivo poder dos emergentes.
[3] As duas guerras mundiais do início do século XX
estão intimamente ligadas à disputa pelo acesso aos recursos
energéticos (fonte:
Cambridge Journals
, 09/1968), razão pela qual as Comunidades europeias no final da Segunda
Guerra mundial nasceram pela partilha dos recursos, seja a CECA
(fonte :
Wikipedia
), um projeto que se tornaria um dos fios condutores da
construção europeia até a crise ucraniana revelar o nada
absoluto que rege a Europa em matéria de política comum
energética. E dizem alguns que sofremos de demasiada Europa!! A
construção europeia parou na realidade em 1989
ocupada a
regulamentar o tamanho dos pepinos e a liberalizar tudo o resto
" l'Europe du concombre "
[4] Nas nossas recomendações de janeiro (GEAB Nº
81) com o título "A China passa para o elétrico".
Fonte :
LEAP/E2020
, 15/01/2014
[5] Fonte :
Bloomberg
, 09/02/2014
[6] Para aqueles que duvidam da realidade desta
evolução, a decisão recente e incrível da Alemanha
(incrível, porque completamente contra-intuitivo com o atual
declínio dos preços do petróleo) para apostar tudo nas
energias renováveis e colocar no mesmo saco tudo o que é
petróleo- gás-carvão-nuclear para se livrar deles.
Fonte:
Deutsche Welle
, 01/12/2014
[7] Notamos no mês passado resultados muito concretos em
termos
de compromissos de redução de emissões de CO2, incluindo
dos Estados Unidos, sob a liderança dos chineses. E, embora a Cimeira de
Lima não pareça produzir muitos resultados, é
principalmente porque os países pobres fazem questão de continuar
a acreditar que são os dólares do Ocidente que irão
financiar a sua transição energética. Mas no fundo, a
agenda ambiental é muito dinâmica neste momento, principalmente
porque coincidiu pela primeira vez com os objetivos estratégicos da
primeira (ou segunda) potência mundial, a China.
[NR] O prognóstico é absurdo e disparatado. Os
veículos
eléctricos nunca poderão substituir "completamente" os
parques automóveis existentes. Os autores confundem energia
primária com energia final, como se tudo fosse a mesma coisa.
É
compreensível que em cidades mais poluídas os chineses
também estimulem a utilização de veículos
eléctricos, mas é um disparate rematado prever que alguma vez
estes pudessem substituir uma parte significativa do parque automóvel
existente. O disparate é ainda mais agravado quando os autores
estendem o raciocínio ao mundo todo. Uma das
soluções para o esgotamento
do petróleo, que está a ser promovida na China e
em muitos outros países, é o metano. Em Maio/2014 a China
dispunha de 3.327.500 veículos a gás natural, tanto na sua forma
comprimida (GNC) como liquefeita (GNL), bem como de 5730
postos de abastecimento de GNC e GNL (Fonte:
Gas Vehicle Report, Dez/2014
),
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
A versão em português encontra-se em
geab.eu/pt-pt/...
Este comunicado público encontra-se em
http://resistir.info/
.
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