Memorando para um intercambio sobre o conflito colombiano
por FARC-EP
Primeiro.
Sempre acreditámos numa saída política para o
conflito. Desde antes da agressão a Marquetália e durante estes
46 anos o reiterámos, exprimimos e lutámos.
Segundo.
Não somos belicistas, nem lutamos por vinganças
pessoais, não temos patrimónios materiais nem privilégios
a defender, somos revolucionários comprometidos com consciência e
até sempre com a busca de uma sociedade justa e soberana, profundamente
humanistas, desprovidos de qualquer interesse pessoal mesquinho, amamos a nossa
pátria acima de tudo e somos obrigados a desenvolver a guerra contra uma
classe dirigente ajoelhada perante o império, que utilizou de maneira
sistemática a violência e o atentado pessoal como arma
política para sustentar-se no poder, desde o dia 25 de Setembro de 1828
quando pretendeu assassinar o Libertador Simón Bolívar,
até hoje, em que pratica o Terrorismo de Estado para manter o status quo.
Terceiro.
A dificuldade que a Colômbia enfrentou para conseguir a
reconciliação através do diálogo e dos acordos foi
devida à concepção de paz oligárquica do regime,
que só aceita a submissão absoluta da insurgência à
chamada "ordem estabelecida" ou, como alternativa, a "paz dos
cemitérios".
Quarto.
Não lutámos toda a vida contra um regime excludente e
violento, corrupto, injusto e anti-patriota para agora, sem mudanças na
sua estrutura, retornar a ele.
Quinto.
Na Colômbia muita gente boa e capaz que queria um país
melhor e que luto por isso pelas vias pacíficas, como Jaime Pardo Leal,
Bernardo Jaramillo, Manuel Cepeda e outros, foi assassinada de forma
premeditada, vil e friamente pelos serviços de inteligência do
Estado em aliança com os paramilitares e as máfias, inimigos do
povo, num genocídio sem precedentes que liquidou fisicamente todo um
movimento político dinâmico e em pleno crescimento: A UNIÃO
PATRIÓTICA.
Devido a essa estratégia do Terrorismo de Estado fracassou-se na busca
de solução política em La Uribe durante os governos de
Belisario Betancur e Virgilio Barco e, em Caracas e México durante o
governo de César Gaviria.
Sexto.
Em El Caguán, como reconheceu no seu livro e em
declarações públicas o presidente Pastraña, o
regime só procurava ganhar tempo para recompor a debilitada força
militar do estado com um cronograma, directrizes, instruções e
financiamento da Casa Branca, integrados no Plano Colômbia e imposto pela
administração de Bill Clinton para abortar uma saída
política democrática para o conflito colombiano e dar
início à sua campanha para reverter as mudanças
progressistas que desde então avançam no continente. O satanizado
processo do Caguán estava condenado ao fracasso antes de começar
como corroborou o ex-presidente Pastraña, pois o seu governo jamais
procurou aplainar o caminho rumo à paz e sim fortalecer e afinar o seu
aparelho de dominação, para continuar a guerra.
Sétimo.
Estes antecedentes não invalidam as possibilidades de uma
solução política para o conflito colombiano. Evidenciam
sim a quase nula intenção da classe dirigente colombiana de ceder
no seu hegemonismo e na sua intolerância frente a outras correntes ou
opções políticas de oposição que questionem
o seu regime político e o seu alinhamento internacional incondicional em
favor dos interesses imperiais dos Estados Unidos, com desprezo da nossa
soberania e em sentido contrário aos mais caros e sentidos interesses da
nação e da pátria.
Sua concepção sobre o exercício do poder é
assinalada e sustentada pela violência, corrupção e
rapacidade e isso torna muito difícil uma saída incruenta, que de
todas as formas continuará a ser bandeira das FARC-EP e seguramente de
amplos sectores do povo que finalmente é o que sente sobre a sua
humanidade os efeitos da hegemonia oligárquica.
Oitavo.
Os interesses dos diferentes sectores sociais estão a
confrontar-se permanentemente. Em certas ocasiões e por períodos
definidos a oligarquia exerce a sua ditadura a fundo, sem respostas
transcendentes da parte das maiores pela pressão, repressão,
guerra suja e desqualificação que se desenvolve a partir do
Estado sobre elas de diferentes maneiras; em outros, as respostas são
importantes mas não suficientes; em outros, a seguir a uma
acumulação de factores sociais transbordantes, a resposta popular
é contundente. Entendemos que os interesses dos diferentes sectores numa
sociedade como a nossa estão em choque e movimento permanente, nunca
paralisados. Por isso, falar na Colômbia de hoje do pós-conflito
é propaganda.
Nono.
Esta reflexão é pertinente, uma vez que as causas geradoras
do levantamento armado no nosso país existem mais vivas e pujantes que
há 46 anos, o que reclama, se queremos construir um futuro certo de
convivência democrática, maiores esforços, desprendimentos,
compromisso, generosidade e imaginação realista para atacar a
raiz dos problemas e não as consequências dos mesmos.
Décimo.
Depois de 12 anos de ofensiva total contra as FARC-EP por parte
do governo dos Estados Unidos e do Estado colombiano, dos assassinatos
oficiais, verdadeiros crimes de lesa humanidade, hoje chamados falsos
positivos, do terror crescente da nova máscara do narco paramilitarismo
denominada bancos criminosos, da asquerosa truculência do presidente para
manter-se no poder com trapaças, da incontível
corrupção da administração e da empresa privada que
em troca dessa mesma corrupção e de subornos milionários
apoia o governo, da impúdica invasão do exército gringo e
da crescente injustiça social com alto desemprego, sem saúde para
as maiores, com um altíssimo deslocamento interno, com um
ridículo salário mínimo em oposição aos
enormes lucros de banqueiros, fazendeiros e empresas multinacionais e depois de
haver escamoteado com uma reforma laboral as conquistas salariais mais
transcendentes aos trabalhadores do campo e da cidade, tudo o que se conseguiu
foi adubar mais o terreno para o crescimento da insurgência
revolucionária.
Segunda parte:
1. O conflito armado colombiano possui profundas raízes
históricas, sociais e políticas. Não foi a
invenção de nenhum demiurgo, produto de ânimos
sectários, nem consequência de alguma especulação
teórica e sim o resultado e a resposta a formas de
dominação específicas, impostas pelas classes governantes
desde os princípios do Estado-nação cujo eixo foi a
sistemática violência terrorista anti-popular, efectuada a partir
do estado, especialmente nos últimos 60 anos.
2. Superá-lo, pelas vias pacíficas, supõe que
preliminarmente exista disposição total para abordar os temas do
poder e do regime político, se a decisão é encontrar
soluções sólidas e perduráveis.
3. Temos apresentado a necessidade de conversar, em princípio para
conseguir acordos de troca, o que permitira não só a liberdade de
prisioneiros de guerra de lado a lado como também avançar na
humanização do conflito e certamente ganhar terreno no caminho
rumo a acordos definitivos.
4. Conversar, buscar em conjunto soluções para os grandes
problemas do país, não deve ser considerado como concessão
de ninguém e sim como um cenário realista e possível para
tentar, uma vez mais, deter a guerra entre colombianos a partir da civilidade
dos diálogos.
5. Reunir-se para conversar de trocas e de solução
política supõe plenas garantias para fazê-lo, livres de
toda pressão, dando por certo que quem as pode conceder é,
exclusivamente, o governo de turno, se possuir a vontade de encontrar caminhos
de diálogo.
6. Nossa histórica e permanente disposição para encontrar
cenários de confluência através do diálogo e da
busca colectiva de acordos de convivência democrática não
depende de uma conjuntura especial ou da correlação das
forças políticas, é simplesmente parte do nosso acervo
programático.
7. Durante os últimos 45 anos fomos objecto de toda espécie de
ofensivas políticas, propagandísticas, militares, com
presença aberta ou subterrânea do Pentágono, com toda
espécie de ultimátuns e de ameaças de autoridades civis e
militares, sob uma permanente agressão terrorista sobre a
população civil das áreas onde operamos, etc, que
não prejudicaram minimamente nossa decisão e
disposição de lutar, pelo meio que nos deixam, por uma
Colômbia soberana, democrática e com justiça social.
8. Entendemos os diálogos, na busca de caminhos rumo à paz,
não como uma negociação porque não é, e sim
como um enorme esforço colectivo para alcançar acordos que
possibilitem atacar as raízes que originam o conflito colombiano.
Terceira parte:
As FARC são resposta à violência e à
injustiça do Estado. Nossa insurgência é um acto
legítimo, um exercício do direito universal que assiste a todos
os povos do mundo de rebelar-se contra a opressão. Dos nossos
libertadores aprendemos que "quando o poder é opressor, a virtude
tem direito a destruí-lo" e que "o homem social pode conspirar
contra toda lei positiva que tenha vergado a sua espinha".
Tal como proclama o Programa Agrário dos Guerrilheiros, as FARC
"são uma organização político-militar que
recolhe as bandeiras bolivarianas e as tradições
libertárias do nosso povo para lutar pelo poder e levar a Colômbia
ao pleno exercício da sua soberania popular e para por em vigor a
soberania popular. Lutamos pelo estabelecimento de um regime democrático
que garanta a paz com justiça social, o respeito dos direitos humanos e
um desenvolvimento económico com bem-estar para todos os que vivem na
Colômbia".
Uma organização com estas projecções, que busca a
concretização do projecto político e social do pai da
República, o Libertador Simón Bolívar, irradia na sua
táctica e estratégia um carácter eminentemente
político impossível de refutar. Só o governo de
Bogotá, que actua como colónia de Washington, nega o
carácter político do conflito. Faz isso no âmbito da sua
estratégia de guerra sem fim para negar a saída política
que reclama mais de 70% da população. Com isso pretende impor
à força uma concepção anti-patriótica de
segurança dos investidores ideada pelos estrategas do Comando do Sul do
exército dos Estados Unidos, que relega a plano secundário a
dignidade da nação.
Para o governo de Uribe, na Colômbia não existe um conflito
político-social e sim uma guerra do Estado contra o terrorismo, e com
este pressuposto, complementado com a mais intensa manipulação
informativa, considera-se com justificação e carta de corso para
desencadear o seu terrorismo de Estado contra a população e para
negar a solução política e o direito à paz.
Agora que a Colômbia é um país formalmente invadido,
ocupado militarmente por tropas estado-unidenses, essa absurda
percepção será fortalecida, provocando a
agudização do conflito.
Uribe não está instruído pelos seus amos de Washington nem
para a troca nem para a paz.
O presidente da Colômbia cria fantasmas para justificar a sua
inamovibilidade frente à questão da troca de prisioneiros: que o
acordo implica um reconhecimento do carácter de força beligerante
do adversário e que a libertação de guerrilheiros
provocaria a maior desmoralização das tropas... É a sua
maneira de travar o caminho do entendimento. Esta intransigência
desnecessária do governo foi a causa fundamental do prolongamento do
cativeiro de ambas as partes. Quando Bolívar firmava o armistício
com Morillo em Novembro de 1820, propôs ao general espanhol aproveitar a
vontade de entendimento reinando para acordar um tratado de
regularização da guerra "conforme as leis das
nações cultas e os princípios liberais e
filantrópicos". Sua iniciativa foi aceite, acordando-se a troca de
prisioneiros, a recuperação dos corpos dos caídos em
combate e o respeito à população civil não
combatente. Quão distante está Uribe destes imperativos
éticos de humanidade.
Sem dúvida, Uribe associa a solução política do
conflito com o fracasso e a inutilidade da sua Doutrina de Segurança
Nacional e com o fim melancólico da sua arrebatação
belicista de esmagar mediante as armas a crescente inconformidade social.
Parece um soldado japonês da segunda guerra mundial perdido numa ilha,
disparando a inimigos imaginários em meio a sua loucura.
Aos participantes deste intercâmbio sobre o conflito colombiano
reiteramos o afirmado recentemente aos presidentes da UNASUR e da ALBA.
"... Com um Uribe mergulhado no frenesim da guerra e encorajado com as
bases norte-americanas não haverá paz na Colômbia nem
estabilidade na região. Se não se trava o belicismo agora
repotenciado , aumentará em proporção dantesca o
drama humanitário da Colômbia. É hora de a Nossa
América e o mundo voltarem os seus lhos para este país violentado
a partir do poder. Não se pode condenar eternamente a Colômbia a
ser o país dos "falsos positivos", do assassinato de milhares
de civis não combatentes pela Força Pública, das fossas
comuns, do despojo de terra, do deslocamento forçado de milhares de
camponeses, das detenções maciças de cidadãos, da
tirania e da impunidade dos que fazem vítimas com o amparo do
Estado".
Solicitamos aos assistentes deste evento que interponham os seus bons
ofícios promovendo, como um princípio de solução
política do conflito, reconhecimento do estatuto de força
beligerante às FARC. Seria o princípio da marcha da
Colômbia rumo à paz. Se vamos falar de paz, as tropas
norte-americanas devem sair do país e o senhor Uribe abandonar a sua
campanha goebelliana de qualificar as FARC de terrorista. Da nossa parte,
estamos prontos para assumir a discussão em torno da
organização do Estado e da economia, da política social e
da doutrina que há de guiar às novas Forças Armadas da
nação.
Atentamente,
Secretariado do Estado Maior Central das FARC.
Montanhas da Colômbia, 22 de Fevereiro de 2010